9:35 Marcava o relógio de ponteiro na parede da sala.
Eu estava na fila de um consultório médico. Minha consulta estava marcada para as 10:00 horas, e eu sou sempre muito pontual. Haviam várias pessoas gordas sentadas próximas a mim. A atendente também era gorda.
Eu era uma das pessoas mais magras dali, e isso me fazia sentir bem. Era como Terapia de auto-estima.
Um velho passou pela porta, ele era gordo.
9:41
A atendente mascava um chiclete, e explodia bolas de maneira irritante. Na Tv um programa sobre saúde e riscos de ser gordo. As pessoas olhavam assustadas e aflitas para a tela.
Idiotas. Sensacionalismo de merda. Pensei em voz alta.
Uma senhora sacou da bolsa uma revista sobre dietas. Ela abriu na página 147 e começou estudar aquilo de forma minuciosa.
A clínica pertencia ao Dr. McDan, ele era Cirurgião Gastroenterologista. Em outras palavras, especialista em redução de estômago. E isso justifica as pessoas gordas.
9:51
Um cheiro de hambúrguer com bata frita invadiu aos poucos a sala. As pessoas se olharam de forma assustadora. Agarrei meus braços, e me encolhi, tive medo de ser devorado.
Um rapazote magrelo com um boné escrito “SuperGostoso” entrou na sala gritando:
- Foi aqui que pediram um delici... Interrompeu ao sentir o olhar das pessoas sobre ele e a sacola que carregava.
Ele seguiu até a atendente e cochichou algo. Pegou o dinheiro e saiu quase correndo.
A atendente gorda guardou o lanche em uma sala ao lado e retornou ao seu posto.
10:03
Já havia um atraso de 3 minutos. Comecei a ficar impaciente. Quando estou impaciente começo a sentir uma repulsa pelas pessoas. E muitas das vezes elas não têm culpa alguma do meu nervosismo.
10:14
- João Alberto, o Dr. McDan lhe aguarda. – Gritou de maneira irritante a atendente.
Chegou minha hora. Finalmente. Levantei e passei por uma mulher gorda, de cabelos ruivos. Ela tinha manchas de chocolate na bochecha. Em seguida saltei a bengala de um senhor, ele usava uma camisa xadrez com bolso em cima do peito, pude reparar uma coxa de frango dentro deste bolso.
Respirei aliviado por ter chegado minha vez. Entrei na sala e foi recebido pelo Dr:
- Bom dia, Sr..
- João, João Alberto! – Completei para o médico.
- Bem, o que lhe trás até aqui? – Perguntou o Dr. McDan
- Emagrecer, eu preciso emagrecer. Quero marcar uma redução de estômago.
- Meu caro, você está de brincadeira comigo? Você deu uma olhada naquelas pessoas lá fora?
Balancei a cabeça positivamente olhando para o chão com vergonha.
- Muitas daquelas pessoas têm problemas sérios de saúde devido a obesidade... – continuou o médico – Mas você? Você está no máximo 10 quilos acima do peso ideal. A dona Maria pro exemplo não consegue nem andar sem ajuda. Você é jovem e não aparenta ser gordo. Você está de brincadeira?
Levantei as vistas e olhei agradecido para o Doutor. Me virei e saí da sala sem dizer uma palavra. Estava aliviado. Me sentia bem, me sentia feliz. Ver a condição de muitas daquelas pessoas, e ouvir do médico tudo que eu já sabia, me fez sentir melhor. Minha auto-estima estava bem novamente. Fui embora para casa, eram 10:35. Deitei no sofá.
Antes de pegar no sono saquei minha caderneta de anotações da mesinha ao lado do sofá e abri na terceira página. Risquei o quarto nome da lista “Cirurgião Gastroenterologista”.
Me senti um monstro por fazer aquilo, por precisar daquilo para viver bem comigo mesmo. Mas eu estava feliz, e isso era o que importava. Pelo menos para mim...
Vitor Veloso
Muito bom, meu caro!!!
ResponderExcluirRealmente existem pessoas que necessitam de coisas assim para se sentirem felizes. E elas são menos raras do que se imagina.
abraço