quinta-feira, 1 de março de 2012

Conto - Minha auto-estima é um monstro.

9:35 Marcava o relógio de ponteiro na parede da sala.

Eu estava na fila de um consultório médico. Minha consulta estava marcada para as 10:00 horas, e eu sou sempre muito pontual. Haviam várias pessoas gordas sentadas próximas a mim. A atendente também era gorda.

Eu era uma das pessoas mais magras dali, e isso me fazia sentir bem. Era como Terapia de auto-estima.

Um velho passou pela porta, ele era gordo.

9:41

A atendente mascava um chiclete, e explodia bolas de maneira irritante. Na Tv um programa sobre saúde e riscos de ser gordo. As pessoas olhavam assustadas e aflitas para a tela.

Idiotas. Sensacionalismo de merda. Pensei em voz alta.

Uma senhora sacou da bolsa uma revista sobre dietas. Ela abriu na página 147 e começou estudar aquilo de forma minuciosa.

A clínica pertencia ao Dr. McDan, ele era Cirurgião Gastroenterologista. Em outras palavras, especialista em redução de estômago. E isso justifica as pessoas gordas.

9:51

Um cheiro de hambúrguer com bata frita invadiu aos poucos a sala. As pessoas se olharam de forma assustadora. Agarrei meus braços, e me encolhi, tive medo de ser devorado.

Um rapazote magrelo com um boné escrito “SuperGostoso” entrou na sala gritando:

- Foi aqui que pediram um delici... Interrompeu ao sentir o olhar das pessoas sobre ele e a sacola que carregava.

Ele seguiu até a atendente e cochichou algo. Pegou o dinheiro e saiu quase correndo.

A atendente gorda guardou o lanche em uma sala ao lado e retornou ao seu posto.

10:03

Já havia um atraso de 3 minutos. Comecei a ficar impaciente. Quando estou impaciente começo a sentir uma repulsa pelas pessoas. E muitas das vezes elas não têm culpa alguma do meu nervosismo.

10:14

- João Alberto, o Dr. McDan lhe aguarda. – Gritou de maneira irritante a atendente.

Chegou minha hora. Finalmente. Levantei e passei por uma mulher gorda, de cabelos ruivos. Ela tinha manchas de chocolate na bochecha. Em seguida saltei a bengala de um senhor, ele usava uma camisa xadrez com bolso em cima do peito, pude reparar uma coxa de frango dentro deste bolso.

Respirei aliviado por ter chegado minha vez. Entrei na sala e foi recebido pelo Dr:

- Bom dia, Sr..

- João, João Alberto! – Completei para o médico.

- Bem, o que lhe trás até aqui? – Perguntou o Dr. McDan

- Emagrecer, eu preciso emagrecer. Quero marcar uma redução de estômago.

- Meu caro, você está de brincadeira comigo? Você deu uma olhada naquelas pessoas lá fora?

Balancei a cabeça positivamente olhando para o chão com vergonha.

- Muitas daquelas pessoas têm problemas sérios de saúde devido a obesidade... – continuou o médico – Mas você? Você está no máximo 10 quilos acima do peso ideal. A dona Maria pro exemplo não consegue nem andar sem ajuda. Você é jovem e não aparenta ser gordo. Você está de brincadeira?

Levantei as vistas e olhei agradecido para o Doutor. Me virei e saí da sala sem dizer uma palavra. Estava aliviado. Me sentia bem, me sentia feliz. Ver a condição de muitas daquelas pessoas, e ouvir do médico tudo que eu já sabia, me fez sentir melhor. Minha auto-estima estava bem novamente. Fui embora para casa, eram 10:35. Deitei no sofá.

Antes de pegar no sono saquei minha caderneta de anotações da mesinha ao lado do sofá e abri na terceira página. Risquei o quarto nome da lista “Cirurgião Gastroenterologista”.

Me senti um monstro por fazer aquilo, por precisar daquilo para viver bem comigo mesmo. Mas eu estava feliz, e isso era o que importava. Pelo menos para mim...

Vitor Veloso

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Conto - A dona e o motorista.

Uma senhora caminhava de maneira não linear em uma calçada. Ela trajava roupas simples e mal tratadas. Calçava chinelos rosa e azul, cada pé de uma cor. Em sua mão esquerda carregava uma balde cheio de sacolas. Seu cabelo era grisalho e mal cuidados. Usava um penteado digno de quem não penteava o cabelo há dias.

Ela se aproximava de uma via de mão dupla, onde teria que atravessar. Trazia consigo um sorriso singelo. Sorriso de quem não tem do que reclamar.

Seus traços eram de quem não tinha a vida fácil, ou de quem quase não tinha vida. Mas ela sorria, estava ali, firme.

Os carros passavam e a cidade continuava sua vida. Ninguém reparava naquela pobre senhora.

Ela chegou ao ponto onde iria atravessar, frente a uma faixa de pedestre. Entortando seu corpo para esquerda colocou seu tão precioso balde no chão, e levou suas mãos a cintura como quem iria esperar por bastante tempo. Mas antes que percebesse um carro parou, o motorista olhou para ela e fez sinal com a mão para que atravessasse.

Ela olhou para um lado, olhou para o outro e pareceu não acreditar naquilo, permaneceu imóvel. O gentil motorista continuou esperando a ‘dona’ atravessar. Os carros começaram a buzinar desesperadamente. Claro, eles estavam perdendo alguns segundos de suas tão valiosas e superiores vidas.

- Atravessa logo, donaaa – Gritou um ‘rei’.

- Mas que merd... Sai da frente imbecil – Berrou um ‘semideus’

Nossa simplória pedestre abaixou e rapidamente pegou seus pertences. Atravessou a rua com uma felicidade contagiante. Olhava para o motorista e balançava a cabeça positivamente, como que agradecia pela vida.

- Brigada seu moço, brigada... – Gritava a senhora.

A gentileza feita pelo motorista, embora simples, era digna e grandiosa. A dona contente continuou sua travessia olhando com gratificação para o motorista, chegou a o meio da divisão das faixas e continuou andando quase saltitante, e encantada com a educação do ‘moço do carro’.

A pista de sentindo contrário se aproximava um carro em alta velocidade. Ele não viu a pedestre, e ela ainda cega pela felicidade não viu o carro. Foi atropelada e jogada para longe. Um de seus chinelos foi parar do lado contrário ao corpo. Seu balde quebrou, e esparramou pela avenida todos seus pertences.

O sangue escorreu de sua cabeça, e a multidão se aglomerou.

- Morreu sorrindo – Disse um curioso


Vitor Veloso

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Conto - A Triste Sorte

Um olhar vazio se perdia no horizonte. Em um horizonte pequeno, um pátio de faculdade. Ele era míope e aquilo lhe era suficiente. Suficiente para levar sua cabeça a qualquer outro lugar.

Alguns alheios repararam sua solidão, e possivelmente se questionavam onde estaria a mente do garoto. Na outra esquina, em um bar? Em um copo de cerveja? Em Outra cidade? Outro estado? Do lado de alguém?

Mas ele estava longe, e pouco importava o que as pessoas pensavam. Com um fone de ouvido, ele deixava o grunge penetrar em sua alma. Seu olhar era triste, e sua afeição intrigante. Até que uma voz interrompeu seus pensamentos:

- Pensando na vida?

- É... Na vida. Ele respondeu.

- A vida ta difícil – Continuou a voz.

- A vida ta longe... - Pondo um fim inesperado na conversa.

O silêncio tomou conta do diálogo, a voz afastou-se sem dizer mais nada.

Ele continuou longe...


Vitor Veloso